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As 4 principais lições que aprendi a recuperar de uma lesão

Foto do escritor: Pedro TângerPedro Tânger

Há um mês e meio atrás dei um passo em falso e tudo mudou. Assim que a ponta do meu pé pousou no chão, senti um estalo na minha perna direita. Parecia que um cabo interior da perna se tinha rompido violentamente, atravessando-me o corpo num clarão de som, luz e dor.


Tinha acabado de rasgar o gémeo, mesmo junto ao tendão de aquiles. O mais ridículo foi que não o fiz a dar nenhum pontapé espetacular, foi, literalmente, a por o pé no chão.



Mal o pé pousou, sabia que que algo grave me tinha acontecido e que não iria conseguir disfarçar aquela dor. Respirei fundo, recompus-me na medida do possível, entrei numa das salas da STAT Cascais e deixei a dor invadir-me e por ali fiquei, num misto de pânico e estupefação. Nunca me tinha acontecido lesionar-me assim, muito menos sem ser em treino e, ainda menos, a dar um passo em falso.


Então o que mudou? O que me levou a bater no fundo


fisicamente? Como é que não previ isto? Desde quando é que eu me lesiono assim?!


A verdade é que não é normal rasgar-se um músculo desta forma. Uma coisa é estar a executar movimentos extremos e levar os músculos para lá do limite. Não foi o caso. Ora, se não foi por fazer movimentos agressivos, o que me levou a este ponto, o que aprendi com isso e o que aprendi com a recuperação? Acima de tudo, o que é que todo este processo me ensinou sobre lidar com os meus limites e sobre a gestão da minha performance rumo aos meus objetivos.


Eis as 4 principais lições que aprendi com esta lesão:


1 - Os sinais estão lá para quem os quer ver

Nas urgências

Os primeiros momentos após a lesão foram de total desconcerto. Na sala das urgências, o meu corpo gritava de dor e eu estava a tentar calar-me das queixas mas o que não me saia da cabeça era: "estou tramado, vou estar assim semanas e semanas, já não vou poder dar os seminários que tinha para dar, já não vou competir em Janeiro, perdi o campeonato".


"Prioridades"...


A minha cabeça estava focada nos meus objetivos e não saía de lá. O problema? Não saiu de lá a tempo.


Então, afinal, que peça faltou para eu chegar ali com tanta surpresa?


Basta voltarmos uns dias atrás para perceberem.


No domingo tinha tido a 1ª Etapa do Campeonato Nacional de Taekwondo Songahm, para o qual tinha estado a treinar intensamente nos últimos 3 meses. Em média, estava a treinar 4 vezes por semana, num misto entre Taekwondo Songahm e Crossfit. Para além disto, tenho 3 filhos pequenos e fazia dezenas de quilómetros de trânsito cerrado por dia.


Ainda não contente com isto, na noite de Sábado para domingo - na noite antes do torneio - alguma coisa me caiu mal e passei a noite a deitar o jantar cá para fora.


Competi com pouquíssimas horas de sono, com o corpo completamente exausto, sem alimento e sem qualquer disposição física ou mental para mexer-me.


O que é que eu pensei? "Ah, isto é só nervos! VAMOS LÁ!


E fui. A tremer e sei um pingo de energia.


Mas acham que correu mal? Claro que não! Ganhei numa categoria e medalhei noutras duas. Foi uma das minhas melhores participações na categoria de fórmulas!


Há um certo orgulho a tirar daqui não há? Esta história é boa. O herói que vem das trevas e se supera contra tudo e contra todos. O arquétipo do herói em grande!


Mas a história não acaba aqui. A semana que me esperava depois do torneio era repleta de seminários, de uma agenda cheia, de visitas às academias e a um dos colégios nossos parceiros, a semana inteira.


Segunda-feira, eu estava derreado. Exausto física e psicologicamente mas não fui capaz de mudar a minha agenda, de dizer um não, de reorganizar as minhas prioridades. Sabia que ia ser difícil mas eu ia aguentar o que fosse preciso porque é isso que uma pessoa competente faz...não é?


Na terça fui dar o primeiro seminário e na terça o corpo parou-me. Foi mais sábio que eu e disse-me, de forma muito clara: ou paras, ou paras.


Então parei.


Vendo tudo isto, qualquer pessoa me perguntará: "como é que não viste os sinais"'?! A questão não é não tê-los visto, é tê-los ignorado.


E este é o problema. Acredito que todos nós temos consciência de limites que passamos ocasionalmente. De certa forma, é saudável passar os limites e expandir as nossas capacidades. Devemos fazê-lo. O que não pode acontecer é estar para além dos limites durante tanto tempo e de forma tão consistente.


Então como é que não parei a tempo?


Porque os sinais vão aparecendo aos poucos e, aos poucos, vou ignorando-os. Primeiro foram as dores nos joelhos, depois o cansaço, depois a rigidez muscular, and so on...


Moral da história?


Num mundo onde os objetivos são mais do que só metas e onde os prazos ditam os nossos ritmos é essencial não esnobar os pequenos sinais. Não precisamos de chegar ao limite para agir. Aliás, o melhor é agir longe do limite para podermos ir tomando medidas que conseguimos gerir e controlar em vez de reparar urgências que podem trazer consequências das quais podemos nunca mais recuperar.


2 - A urgência é uma bengala


O sentimento de urgência, de que tudo e todos precisam de nós, de que estamos em permanente compensação pelo tempo perdido é uma farsa. É uma história que nos contamos para não termos de definir limites e para não nos confrontarmos com as nossas próprias limitações.


É mais fácil achar que tudo é uma urgência em vez de ter responsabilidade sobre aquilo que fazemos. É mais simples usar a energia do stress do que a disciplina da organização.


Eu ignorei os sinais evidentes porque estava em permanente stress atrás dos meus objetivos profissionais, competitivos e familiares. O mundo precisava que eu estivesse à altura de qualquer coisa e, sem mim, as coisas não aconteceriam.


yeah right...


Bastou-me ficar em casa 3 dias em repouso absoluto para perceber que a urgência era a minha forma de não ter de enfrentar a tomada de algumas decisões, nomeadamente no que toca à minha auto-exigência e à forma como estava a sobrecarregar o meu corpo, a minha mente e a minha agenda para conseguir chegar a um sítio qualquer.


O relaxamento físico e mental necessário
Em casa, após uns dias de repouso.


O que aprendi? Assim que começo a entrar no loop do stress, paro. Vou treinar se estiver bem, vou espairecer, vou rir-me, sei lá, vou fazer alguma coisa para sair do loop e voltar ao mundo real, aquele que acontece sem demasiadas urgências e, preferencialmente, com oportunidades de crescimento.


O sentimento de urgência tem a sua função quando existem urgências, não quando queremos gerir uma vida sã, equilibrada e com potencial de crescimento. É essencial conhecer a diferença porque é essa diferença que nos permite lidar com os desafios da forma certa.


3 - Objetivos, sim, mas é no caminho que está o crescimento.


Já todos sabemos isto. Eu sei mas sou teimoso. Ainda dou por mim a correr atrás dos objetivos sem olhar bem para o caminho. Ainda dou por mim a acreditar que o que importa é a meta. Em parte é isto que me move e não tem problema nenhum mas deixar de ter contacto com o caminho leva-me a perder contacto com tudo o que acontece nele.


Quando se está demasiado preso em objetivos, deixamos de dar importância às pequenas coisas. Atropelamos os momentos que nos deveriam dar mais conforto e relaxamento e, até, os simples momentos de humor. ficamos arrogantes perante as emoções mais subtis porque achamos que nos tiram o foco daquilo que importa.


O mais ridículo é saber-se que tudo funciona melhor quando se aprecia o caminho e quando se enriquece com ele. Paradoxalmente, até se atingem melhores resultados e se chega a soluções mais criativas quando se está em contacto com o caminho até aos objetivos.


Fisioterapia - após várias sessões

É tudo óbvio mas quando a pressão aperta, lá volta a arrogância.


Portanto, é importante definir objetivos e ir atrás deles. Dá-nos foco, dá-nos e motivação para agir no mundo mas tudo isto perde o seu propósito maior se não vivermos o caminho pois é no caminho que está o crescimento. O objetivo é só o marco que temos para medir esse crescimento.


4 - O lifestyle está no ritmo


Passadas 5 semanas desde aquele estalo, restou-me uma coisa: medo de voltar a sentir aquele estalo!


No processo de recuperação passei de estar preso à dor até dar pequenos passos. Dos pequenos passos, passei a andar, de andar passei a fazer uma vida normal e, só depois, recomecei a poder fazer movimentos mais intensos. Durante todo este processo, que implicou muita fisioterapia, fui-me aproximando do meu corpo físico e mental.


Passei a encarar a minha forma de estar com alguém que está permanentemente a recuperar de uma lesão em vez de alguém que está a esticar os limites e à procura da rotura (pun intended).


É difícil perceber qual é o nosso ritmo, eu sei. Dá sempre vontade de ir um pouco mais longe, de esticar um pouco mais o possível, de superar só mais uma etapa. No entanto, há formas equilibradas de o fazer.


É preciso habilidade para saber quando desafiar um limite e quando respeita-lo ou saber distinguir entre foco e stress.


Tudo isto que já sabemos: a saída da zona de conforto ou o conforto da zona de segurança, qual dos dois é que nos leva onde queremos?


A resposta estará algures no meio.


Esta lesão veio ensinar-me coisas importantes, não sobre desporto ou recuperação muscular mas sobre a forma como estou na vida, sobre a forma como encaro objetivos, como lido com a minha auto-exigência e, fundamentalmente, como tiro prazer no processo de crescimento.


regresso aos pontapés

E assim é na vida. Vivemos numa pressão necessária para chegar ao próximo passo, para crescermos e para melhorarmos. Isto não tem mal nenhum, é daqui que vem a virtude. Os melhores valores pessoais vêm desta tensão saudável entre aquilo que fomos e aquilo que queremos ser.


O problema é quando quebramos o pacto e vamos longe demais. Quando deixamos de respeitar o nosso ritmo e passamos a exigir de nós aquilo que deixou de ser nosso para exigir.


Tenho perfeita consciência que este equilíbrio é difícil de discernir e, por vezes, a única forma de aprender é, exatamente, esta. A de chegar a um limite e pensar: "Wow, o que é que me aconteceu??" e, depois, reajustar.



Quando perguntado sobre como iriam construir a American Taekwondo Association para ser uma das maiores organizações de artes marciais do mundo, o seu fundador, Haeng Ung Lee, respondeu: "vamos apressadamente, devagar".


O que ele quis dizer é que devemos ir avançando, sonhando em grande, mas tendo atenção a cada passo do caminho para que os trambulhões não sejam demasiado grandes e o caminho gratificante.


pronto para regressar aos treinos







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