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iDetox.

Foto do escritor: Pedro TângerPedro Tânger

Há 6 dias fiquei sem telefone.



Devo ter passado as várias fases do desmame e da desentoxicação. Desde a ansiedade da perda à sensação de liberdade, passando pela angústia e pela antecipação do retorno à normalidade.


Não tenho grandes ilusões quanto a isto. Sei o quão importantes são os smartphones na nossa vida e o quanto permitem acelerar a comunicação e andar com muitas coisas para a frente. Permitem manter a ligação necessária para que tudo se mova.


Também não tinha grandes ilusões quanto à utilização desnecessária que, muitas vezes, fazia do telefone. Aqueles ciclos de passagem por todas as apps, sem motivo aparente, apenas por hábito. Nunca gostei disso mas, também, nunca deixei de o fazer.


Foram só 6 dias e estou a minutos de me reconectar com o mundo. Por um lado, não me apetece nada voltar à correria. Aprendi a gostar deste silêncio. Por outro, sinto que não posso passar muito mais tempo sem estar contactável, sob pena de roçar o incompetente.


No entanto, em 6 dias aprendi algumas lições importantes. A reação provocada pela falta de telefone fez-me refletir. Penso que percebi a gravidade daquilo que se fala, da "dependência" dos smartphones. Sabia-o conceptualmente, não o sabia na prática - São dois mundos diferentes, como é óbvio.


Vou voltar a ligar-me à matrix mas, antes disso, quero partilhar convosco aquilo que aprendi nestes meros 6 dias. Faço-o, talvez, para não me esquecer. Talvez queira convencer-me de que aquilo que aprendi vai mudar os meus hábitos. Espero que sim mas tenho receio que não.



Eis, então, aquilo que aprendi estes 6 dias de idetox.


  1. FOCO

Lembram-se o que é estar focados a fazer uma coisa e não pegar no telefone a cada intervalo de raciocínio?

Pois eu pensava que me lembrava. Pensava, até, que o fazia bastante bem. "Não, estou focado agora, não vou olhar para o telefone, até o vou virar para baixo"! LOL.

Quando dei por mim sem o telefone e, acima de tudo, sem a possibilidade de ter acesso ao telefone, descobri que tinha muito mais energia para me focar na tarefa em mãos. Aquilo que eu pensava que era cansaço era, afinal, falta de descanso. Duas coisas bem diferentes. Já falo disso mais abaixo.


2. REFLEXÃO


E tempo para refletir? Não é tempo para pensar numa coisa, é tempo para, realmente, refletir?

É claro que eu pensava que o fazia. Até pensava que o fazia a toda a hora! Aquilo que eu sentia, há uns meros 6 dias, era que estava cansado de tanto refletir e de pensar sobre as coisas!

Bem, descobri que eu não estava a refletir coisa nenhuma. Estava com a mente ocupada, isso sim, mas não estava a refletir.

Porque refletir requer tempo, requer dar azo à imaginação e deixar os pensamentos tomarem o seu curso. Refletir sobre os assuntos não é o mesmo do que ter a cabeça ocupada com eles, não, é deixar que eles ganhem vida e se manifestem como quiserem, é deixar o tempo amadurecer as ideias e acompanhar esse processo com a calma que merece.


Refletir e focar é incompatível com a rotina do smartphone. Eu sabia a teoria, não sabia era o quanto estava na armadilha. Pior, pensava que era imune.


Sabem quando param por um segundo e, automaticamente, pegam no telefone e fazem uma breve passagem pelas várias aplicações para ver se há novidades? Não queremos perder um whatsapp e ficamos contentes com o facto das pessoas gostarem do que publicamos. Não tem mal nenhum ir ver o que se passa, pois não?


Eu pensava que não.


Há tempos, lembro-me de ter lido um artigo que explicava como é que o nosso cérebro funcionava a dois tempos. Ora estava focado e a processar informação, ora precisava de divagar e não ter foco nenhum em específico. Este último tipo de atividade cognitiva é tão necessária quanto ao primeiro pois permite que o cérebro, de certa forma, recarregue as baterias e se reorganize para poder voltar a focar. Enquanto está a "divagar", o cérebro está a pensar em termos mais abstratos, mais criativos, mais transversais. Quando está produtivo, o cérebro está ocupado com aquilo que tem em mãos e pouco mais.


O que acontece com a utilização patética do telefone que nós todos fazemos, é que nunca saímos do tipo de funcionamento produtivo do cérebro, apesar de acharmos que estamos a descansar sempre que pegamos no telefone. Na verdade, não estamos, estamos permanentemente ocupados, logo, em desgaste.


3. TÉDIO


No segundo dia sem telefone, já passadas algumas ondas de ansiedade, dei por mim entediado. Já não sabia o que era esta sensação. Sentei-me para beber um café e, claro, a minha reação, foi a de pegar no telefone. Não o tinha, então o que poderia fazer?


Por instantes, fiquei sem jeito. Senti-me completamente estúpido, ansioso e com uma enorme necessidade de me ocupar porque não sabia o que fazer.


Passados uns minutos, relaxei. Olhei à minha volta e comecei a entreter-me com o que via. Então, passei de um estado de controlo para um estado de uma certa contemplação. Deixei de procurar conclusões para ver como é que as coisas à minha volta se manifestavam.


Dias após dia, esta sensação passou de um certo vazio a um momento esperado. Não que eu goste de sentir tédio, não gosto, mas o tédio revelou ser uma fonte de renovação e de inspiração para novas coisas, outras coisas, coisas que eu não tinha disponibilidade mental para fazer ou, apenas, pensar.


Foi então que percebi o que é que aquele artigo queria dizer. A mente, quando começa a divagar, expande e cabe-nos deixar-nos levar pelo processo. Em consequência, o tédio transforma-se em inovação e criatividade. Por seu turno, quando voltamos a focar, sentimo-nos rejuvenescidos e prontos para focar de novo.


Parece evidente, não é? Lá está, eu pensava que tinha isto sob controlo mas percebi que, a cada sinal de tédio, é no telefone que pegava. Agora que descobri o poder do tédio, nem me apetece reativar o telefone.


4. PRESENÇA


Todos estes temas estão ligados, como é evidente, mas aqui falo da presença com as outras pessoas.

Mais uma coisa que eu não sabia ser tão evidente, é o facto de, quando estamos a falar com alguém, parte de nós está a pensar quando vai voltar a pegar no telefone. Parece um exagero, não parece? Acreditem, não é.


É dramático.


É evidente que a ansiedade não se prende com o ato de pegar no telefone mas, sim, com a necessidade de voltar a conectar com o mundo que anda sem nós e que temos algum receio em perder.


Sem telefone, dei por mim a ter conversas com muito maior presença e sem aquele sentimento de urgência. Não quer dizer que as conversas passassem mais devagar, algumas passaram, é certo, mas a qualidade da conversa e o impacto que cada interação teve em mim foi totalmente diferente. De repente, eu estava inteiramente ali.


5. OS MEUS ASSUNTOS


Bem, esta é a descoberta que mais me atordoou. Então não é que, com a falta de tantas mensagens para responder, tantos likes para fazer e receber e tantos assuntos para acompanhar, dei por mim a perceber quais eram, realmente, os assuntos que me diziam respeito, a mim e só a mim?!


vou dizer de outra forma: percebi que uma parte considerável da minha ocupação é irrelevante. Parte do tempo que gasto é deitado ao lixo, é zero. Pior, afeta negativamente a parte boa do meu tempo.


Este impacto só surgiu depois do 4º dia. Foi quando perdi o fio à meada do que andava a acontecer nas redes sociais. A partir deste ponto, era como se tivesse ido viajar e estava no fuso horário dos antípodas. Restava-me perceber quais eram os meus assuntos e andar com a minha vida.


Revelação das revelações: os assuntos todos que circulam nas redes sociais, seja o whatsapp, o instagram ou o linkedin, não são assim tão vitais! É verdade...tenho assuntos que precisam da minha atenção e, esses sim, precisam que eu tenha energia.


Ora, com isto, não digo que tudo o que fazemos tem de ser produtivo e altamente eficiente. É evidente que precisamos de ter momentos lúdicos e as redes sociais podem ser excelentes para isso. Esse não é o meu problema. O problema é acharmos que estamos a responder a mensagens porque são importantes quando não o são; é estarmos a seguir a urgência de coisas que não têm qualquer impacto nas nossas vidas. E pior do que isso, é acharmos que sabemos definir a diferença entre esses assuntos e os verdadeiros.


6. OS MEUS INTERESSES


Algures entre o 4º e o 5º dia dei por mim a pegar num livro e ler. Sim, a ler! Acreditem. Pensava que era impossível. Até aqui, ou não tinha tempo para ler ou andava demasiado cansado para, sequer, me apetecer pegar num livro. Ouço muitos audiobooks mas ler um livro, não, isso requer toda uma predisposição.


Acontece que, de repente, o tal tédio que falei acima, transformou-se em tempo para me dedicar a coisas de que gosto, tais como esta, a de pegar num livro e ler, refletir sobre alguma coisa ou, simplesmente, respirar fundo e deixar absorver a vida.


E eu que pensava que não fazia mais disto porque não tinha tempo...


7. TEMPO


Esta é fácil. Tendo ficado mais focado quando é preciso e com mais energia para fazer o que tem de ser feito, acabei por descobrir que tinha mais tempo do que pensava. Afinal, todos aqueles minutos gastos são recuperáveis.


Eu sou daquelas pessoas que põe limite de tempo diário para olhar para o telefone e para certas aplicações. Sou, também, aquele tipo de pessoa que, cada vez que aparece o sinal de limite, carrego em "ignore".


Sem telefone, o tempo voltou. O tempo mental e o tempo real.


8. ANSIEDADE


Com a descida abrupta de informação, sem a sensação de urgência por ter de estar a par de tudo e de todos e sem a obrigação de estar online, senti uma enorme redução do stress e da ansiedade.


Passei de ser o Variações a cantar "Estou bem, onde não estou; Só quero ir, onde não vou" para me tornar num adepto de mindfulness que não vê urgência, apenas se foca nas coisas importantes e no ritmo certo das coisas.


Consigo respirar e deixar o tempo correr, sem que me sinta sempre a correr atrás do que estou a perder.


é a diferença que faz toda a diferença.




 

Está na altura de voltar a conectar-me ao mundo. Confesso que estou um bocado assustado. Sinto-me um iphone-o-dependente a voltar a reintegrar-se na sociedade. Sei que a tentação vai ser muita e que, provavelmente, o ritmo das coisas me vai apanhar e isto deixa-me, de certa forma, triste.


Ainda que algo ilusórios, gostei de passar estes dias sem telefone, sem redes sociais, sem urgências artificiais. Descobri que submergi num rol de hábitos pouco saudáveis e dependentes do telefone e, sobretudo, que há muito mais em jogo do que eu pensava.


Todos sabemos a teoria e sabemos que estas aplicações estão todas feitas para nos agarrarem mas, também, achamos que estamos mais resistentes a tudo isso do que realmente estamos.


Se eu puder retirar algo destes dias, é que estamos a sofrer por causa desta dependência dos telefones. Não nos apercebemos disso, mas estamos.


Soluções? bem, o cliché: reduzir o tempo de ecrã, sair desta ou daquela rede social, etc. Na prática? Penso que o melhor é perder o encanto com o que merece perder o encanto e focar no que importa: a nossa vida, as nossas interações e o nosso tempo.


Precisamos dar valor ao que temos, não ao que nos ocupa.


Uma lição é certa: devemos criar tempo para o tédio.


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