Há dois meses que estou em mudança. Mudei de casa e, com isso, as coisas mudaram.
A mudança física muda-nos profundamente. À medida que vamos avançando na idade, crescendo na família e aprofundado nas raízes, vamo-nos identificando mais com os espaços que habitamos, tornamo-nos um espelho mais claro dos móveis e das divisões, ao ponto de vivermos dentro de uma espécie de simulacro onde jogamos o jogo do quotidiano. Não sabemos se estamos num cenário ou se somos o cenário. Os móveis guardam as nossas memórias, os recantos carregam as histórias e chegamos ao ponto de pensar de uma forma diferente consoante a divisão em que nos encontramos.
Isto pode parecer trivial e evidente mas, se formos pensar nisso, é uma verdade que tem ramificações importantes.
Não é por acaso que existe o feng shui ou que compreendemos melhor as pessoas quando vamos visita-las às suas casas. Os espaços refletem-nos, e nós a eles.
Portanto, mudar de casa foi, para mim, uma verdadeira cambalhota existencial. Não só pela mudança em si mas pela mudança que foi. Passei de uma casa mais ampla para uma com menor área. Mudei-me da cidade para a Serra. Entrámos na casa com janelas podres, obras por fazer e humidades por resolver. Não foi um processo suave, isso não.
É por isto que queria trazer aqui esta reflexão. Afinal de contas, quanto de nós é reflexo da nossa casa e quanto é que da casa é nosso? É a primeira vez na vida que ponho tanto as mãos à obra numa casa e sinto-me profundamente realizado com isso. Mas, então, significa isto que, nas outras casas em que vivi, eu era apenas um supérfluo adornador de paredes?
Se eu sou o espaço onde vivo, não me deveria eu dedicar a tornar cada área consciente? Se estou mapeado em todas as divisões, não deveria eu transforma-las em espaços que espelhem quem sou, em vez de meras áreas de habitabilidade.
Porque, se o espaço em que vivo é a projecção daquilo que eu sou, então eu devo agir para que nenhuma divisão seja menos do que posso ser.

E assim tem sido. Tenho-me dedicado a tornar cada divisão a melhor expressão de nós. Da combinação entre a minha mulher, os meus filhos e eu. Transformei-me num homem do bricolage, algo que pensava ser impossível. As janelas estão arranjadas, a casa aquecida e praticamente decorada. Agora que as divisões estão quase prontas, é altura de tratar do jardim, do exterior que pode ser visto, talvez, como a expansão de quem somos. É no exterior que o tempo se irá deixar apreciar e é nele que viveremos o prolongar deste interior que já se organizou.
E, com isto, ainda me restam muitas coisas por fazer mas cada coisinha que faço é uma realização pessoal. Não estou, apenas, a pendurar um quadro. Estou a embelezar e a dar luz a uma qualquer parte de mim que se ergue com a estética deste ou daquele espaço. Estou a cuidar de alguma área esquecida de mim e acordá-la para a existência, sem que caia na entropia do esquecimento.
Portanto, a cada ato de construção, parte de mim se expande e se instala melhor, renovadamente pronta. Já o contrário também é verdade: cada área ignorada ou tarefa por fazer crescem em mim com tentáculos. Esquiva-las criar ansiedade. Não há como fugir, ou se enfrenta e se cresce ou se ignora e se deprime.
A mudança não é má. Raramente o é. Difícil é a transição de um estado para o outro. Vivê-la de forma consciente e ascendente é crucial para que a mudança nos ajude a crescer e a tornar-nos uma versão melhorada - e, não, danificada - de nós próprios.
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