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Foto do escritorPedro Tânger

Não se preparam combates.

Atualizado: 22 de abr. de 2021

No último Europeu de Taekwondo Songahm combati até à final da minha categoria. Dei por mim a enfrentar o meu aluno e amigo, Martijn Ooms, um holandês de 1.95, forte, destemido e com vontade de ganhar.


Eu não estava nervoso, estava num misto entre foco e medo. Medo, porque, sejamos francos, ele tem 1.95 e, se usar a força toda, vai magoar-me. Foco, porque sei que o antídoto para o medo é a concentração.


Há meses que andava a melhorar o meu combate e a minha qualidade técnica. Não o estava a fazer para este Europeu mas, sim, porque daí a dois meses iria fazer exame para 6º Dan. Para quem não sabe, 6º Dan é o 6º grau de cinto preto e, para nós, é o grau em que atingimos o título de Mestre.


Este Europeu era, portanto, uma oportunidade para eu treinar o meu combate e a minha apresentação técnica, tudo provas que iria ter no meu exame.


Lembro-me de pensar "não sou mais comprido, não tenho mais força. Sou técnico e é isso que vou ser".


O combate começou e deu-se uma primeira rajada de golpes. Mediram-se forças naquela troca. Levei vários golpes numa certa tentativa de intimidação com vista a, literalmente, esmagar as minhas pretensões. Respondi à altura. Sei que não fiz moça alguma mas ficou ciente para ambos que ninguém ia dar nada a ninguém de bandeja.


Penso que é normal acontecer isto num combate. A primeira vitória que se quer é a moral. Todos sabemos que alguém mentalmente derrotado dificilmente vence um combate. Ficam mais preocupados em terminar a prova mas, acima de tudo, perdem motivos para continuar.


Ainda tivemos mais uma ou duas trocas de golpes intensas, pouco técnicas. Simplesmente, brutas. Estavam duas narrativas a combater: Por um lado, era a narrativa do pupilo que se quer emancipar frente ao Professor. Por outro, víamos o Professor a querer justificar a razão porque ainda merecia algum respeito.


Ego, portanto.


Passados esses golpes de insegurança, ficaram dois competidores legítimos, frente-a-frente, prontos a ver quem conseguiria marcar mais pontos. Pode não ser evidente mas combater é um exercício de gestão pessoal exigente e muito rico em lições.


Se, por um lado, requer de nós uma boa preparação, requer, também, uma capacidade de tomar todas as pequenas decisões que fazem a diferença.


Assim começa a cabeça a mil:

- Saber prever sem perder o timing certo.

- decidir entre agir ou aguardar

- distinguir entre ter estratégia ou improvisar

- analisar sem paralisar


You get the point.


Combater é termos a capacidade de decidir sob plena pressão, é estarmos focados nos momentos de maior stress, é decidir à medida que a realidade se desenrola sem perder o fio condutor. É focar no resultado sem focar na vitória.


Todos nós enfrentamos combates deste tipo. Vezes demais até. Leva-me a questionar a nossa preparação para os combates que enfrentamos diariamente. Mais importante, leva-me a refletir se temos as ferramentas certas para tomar decisões quando a realidade se vai revelando de forma tão imprevisível?


O mundo académico e o mundo profissional focam-se muito na preparação, no estudo, no planeamento mas parece-me deixar à sorte a forma com que cada um vai levar com o embate da vida.


Sou apologista de treinar as pessoas a aprenderem a "combater", a saberem lidar com o medo através da concentração ou saberem confiar nas suas capacidades, mesmo quando as dificuldades que enfrentam parecem ser insuportáveis. Acredito no planeamento, como é evidente, mas, como disse Mike Tyson: "toda a gente tem um plano até levar um murro na cara".

A vida dá-nos vários murros. Como lidamos com isso é que faz a diferença.


O combate desenrolou-se com a magia própria de momentos como este. O público torcia apaixonadamente ora por um, ora por outro, era Portugal vs Holanda, era Aluno vs Professor, era David e Golias e era, simplesmente, um bom combate, cheio de estratégia, esquivas feitas no momento exato, contra-ataques minuciosos e a sensatez possível.


Cada ponto marcado era um passo mais perto do final, não fosse cada um marcar um ponto à vez, sem deixar grande margem para que o outro se destacasse. Esta intensidade exigia que a concentração continuasse a ser a melhor ferramenta. Qualquer deslize iria traduzir-se num ponto sofrido, estávamos perante a dignidade de um duelo merecedor.


O tempo terminou, e o público celebrou o combate. A Final tinha ficado decidida mas todos sentimos que tínhamos acabado de viver tudo aquilo que deveria representar as artes marciais.


Foi, então, assim que, após um intenso combate tático e técnico, me sagrava campeão europeu de Taekwondo Songahm. Contudo, apesar de ter sido eu a levar a medalha, todos ali sentimos a vitória.


Na verdade, por nos termos entregue ao combate, largamos o que nos poderia prender e conquistámos uma melhor versão de nós próprios.







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