O Natal e o ano novo podem ser alturas difíceis de passar. Não é só pela logística que envolvem, que é muita, mas, sobretudo, por causa da gestão emocional que requerem.
Esta época é sentida por muitos como um caminho das pedras que dura vários dias, onde os reencontros familiares e com amigos vêm com um misto de vontade e ansiedade.
Talvez não nos apercebamos mas, durante estes dias, damos por nós a viver muitas personalidades em simultâneo, personalidades essas que têm origem em tempos diferentes da nossa vida e que vivem de crenças e julgamentos, muitas vezes, desatualizadas.

Quando somos crianças, somos apenas crianças. Somos vistos assim e todos se relacionam connosco nesse papel. No entanto, à medida que vamos crescendo, vamos sendo outras pessoas. Somos os adolescentes mal encarados que que reviram os olhos, somos os jovens adultos que se pavoneiam nas suas próprias futilidades, somos os recém-pais que se debruçam exageradamente sobre os seus filhos, somos irmãos mais velhos, mais novos, somos primos, somos netos…enfim, como sempre, somos uma miríade de pessoas dentro de uma só, contudo, não estamos habituados a ter de vivê-las em simultâneo.
A verdade é que é difícil gerirmos o nosso interior quando não o temos minimamente consciente. Já é exigente lidar connosco próprios no dia-a-dia, quanto mais num ambiente de rede complexa de relações pessoais onde, facilmente, perdemos o nosso centro e deixemos de operar a partir do ponto consciente. Nesse momento, deixamos de agir de um centro de segurança para agir com base em impulsos e reações instaladas. O cocktail perfeito para o caos.
Portanto, a questão não está no Natal ou no Ano Novo, está naquilo que representam. O problema, logicamente, não está nos outros e na forma como nos vêem. Isso é a cortina de fumo que, aparentemente, causa ansiedade. O problema está na forma como lidamos connosco próprios quando confrontados com estas facetas que achamos ter.
É importante aceitarmos que somos feitos da multiplicidade e da riqueza de tudo quanto nos formou. Agarrarmo-nos a uma ou outra versão de nós próprios é ficar à superfície de quem somos. Nós somos tudo o que vivemos e muito mais. Também existimos nas memórias dos outros. Não somos feitos de parcelas cortadas e racionalizadas, somos o que está por detrás disso tudo, naquele sítio antes das palavras e é de lá que temos de partir e é para lá que devemos regressar.
É por isto que não se trata de evitar o Natal ou passagem de ano, trata-se de parar de evitar um trabalho interior que nos organize e que integre as várias facetas da nossa personalidade para que, gradualmente, consigamos estar bem com todas elas e para que a opinião dos outros não passe disso mesmo, de uma opinião e, não, de uma verdade que nos atravessa e nos fere.

Esta altura do ano não tem de ser difícil. Na verdade, quer-se que seja um momento de comunhão e de boas memórias. Contudo, é inegavelmente um barómetro do nosso bem-estar interior. Se momentos como este são poços de ansiedade, então é um claro sinal de que há espaço para dar início a um trabalho interior que traga à luz o lado lunar que está a ser evitado.
Curiosamente, à medida que vamos largando as âncoras e os gatilhos que nos prendem as histórias que nos contamos, também aqueles que nos rodeiam se libertam delas e vêem com muito maior clareza quem somos - e quem sempre fomos - .
Talvez nunca nada tivesse a ver com os outros mas, sim, com a forma como nós vivemos os outros.
O Natal, a passagem de ano e outros tantos momentos como entes são uma expressão comprimida do nosso interior.
Desejo-vos, então, que ele seja menos ansiedade e mais amor.
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