Tenho 40 anos e não deixo de sentir que a maior fatia já lá vai, simplesmente porque os dados o indicam.
Mas sem dramatismos.
Interiormente, sinto-me mais novo do que aos 20. Aos 20, estava menos esclarecido, mais toldado do que estou agora, conhecia-me pior e, consequentemente, conhecia pior a vida. A longevidade esclarece-nos.

Infelizmente, não sei lidar com a passagem contada do tempo. Sei que é assim com toda a gente e que este está longe de ser um problema só meu mas, ainda assim, é um problema que me afeta muito. Em demasia, talvez.
O que mais me perturba nisto tudo, é a vontade voraz que tenho em descobrir, aprender e crescer e ver essa vontade fatalmente negada pelo seu prazo.
No entanto, sabendo eu isto, não sou capaz de transformar a minha vida numa epopeia, onde todas as ações do herói têm significado e propósito, onde cada momento é intencional e, sobretudo, onde não há desperdício de tempo.
Claro que não.
O que faço é perder esse tempo com trivialidades, é stressar-me com banalidades e a cumprir tarefas que não fazem o mundo girar.
Sou tão banal na rotina que, por vezes, qualquer ideal me esmaga.
Depois, como muitos de nós, comparo a vida que levo ao potencial da vida que poderia viver e percebo que todos os meus esforços são absolutamente inconsequentes pois nenhum relógio me dará o tempo que preciso para me cumprir.

É curioso mas os 40 parecem ser a idade da realização. É a idade em que percebemos que os dados foram lançados há muito tempo, muito antes de sequer nos apercebermos que estávamos em jogo.
E não é que não nos tenham avisado, porque avisaram.
Os nossos pais, os professores da escola, o futuro imaginado, todos nos alertaram para as decisões certas mas o que não nos avisaram - ou que fomos incapazes de perceber - foi que as opções se iam limitando à medida que o tempo corre.
E limitam, evidentemente.
Limitam-se pela simples razão de termos menos tempo.
E o tempo é aquilo que nos permite tornar possível o potencial. Sem tempo, nada se concretiza e o potencial desaparece. É dentro dos limites do tempo que o potencial se torna real e, talvez, será por isso que o tempo existe, para permitir ao universo uma expressão de si mesmo através do corredor estreito da finitude.
É uma sina sabermos que temos, em nós, o possível e o impossível. Saber que estamos a uma decisão de transformar a vida ou, tragicamente, de sair da indecisão que nos estagna.
É importante perceber que as opções não se limitam pelas contas que temos de pagar ou pelas responsabilidades que temos assumidas, limitam-se porque, à partida, não temos tempo para recomeçar tudo de novo.
Então, resta-me perguntar: que potencial posso cumprir dentro das possibilidades me restam?
A família, ou melhor, a descendência - compreendo-o hoje - é o potencial eterno. Na verdade, O trabalho ou qualquer obra que se crie também o são.

São legados a quem entregamos os nossos os sonhos e visões para que cumpram algo que nós nunca iremos conseguir cumprir mas que eles, na soma de todos, talvez o consigam.
Isto faz de nós cumpridores de potenciais antigos e arcaicos dos nossos antepassados e, na verdade, de toda uma espécie.
Sim, porque coletivamente fazemos uma narrativa comum, imperceptível no curto prazo mas clara ao longo do tempo. Simultaneamente, somos criadores de futuro, lançamos novas visões e sonhos por cumprir. Alguns realizaremos em vida, outros deixaremos como legado aos nossos filhos, aos nossos descendentes ou à nossa obra.
Talvez seja por isso que o legado seja tão cultural. A educação é, na realidade, um passar da tocha. Não nos apercebemos disso, evidentemente, mas é claro que a educação carrega em si todos os ideais por cumprir e, ao mesmo tempo, as ferramentas para construir uns novos.
Voltando a mim, sinto que tenho de definir que potencial quero, realmente, cumprir. Não quero morrer incompleto. Quero poder, um dia, olhar para trás e dizer: “wow, que vida tão bem vivida, tão rica e completa, tão cumprida e repleta.”
Então fica a reflexão.
Para que eu pense sobre o que me é relevante, sobre que quero, realmente, fazer, para que tudo isto faça sentido, nem que seja para um dia morrer completo.
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