No passado Domingo fui agraciado com o título de Mestre. Até aqui, era Professor, antes disso era Instrutor e, antes disso, cinto colorido.
No Taekwondo Songahm não somos Mestres assim que chegamos a cinto preto, apenas após o 6º Dan, ou seja, 6º grau de cinto preto. Não basta a graduação, temos, também, de atingir certos requisitos de liderança, tais como o número de alunos, organização de eventos e participação em eventos internacionais. "Ser Mestre implica sermos Mestres de alguém, temos de ter um legado, senão para que serve o título?".

Foram mais de 20 anos que me levaram até aqui. Quando comecei, não havia Mestres na Europa e não havia, sobretudo, horizontes largos o suficiente que nos permitissem acreditar que algum de nós viria, sequer, a ser Mestre. Vendo-me agora nesta posição, reconheço a quantidade de energia que foi dispendida apenas para romper certas crenças.
Se tivesse de caracterizar o meu caminho até aqui, caracterizava-o como sendo uma história de primeiras vezes. O primeiro a ensinar Taekwondo Songahm na Holanda, o primeiro a utilizar o sistema por blocos (técnica de instrução), o primeiro a abrir uma academia, o primeiro a abrir duas e três, o primeiro a organizar eventos internacionais, o primeiro a trazer celebridades das artes marciais a Portugal, o primeiro a juntar-se a um grupo maior para trabalhar a expansão (e depois veio o COVID) e muitos outros primeiros que fazem desta história uma história de primeiros.
Mas este não é um texto para me engrandecer. É um texto sobre o poder de acreditarmos que é possível superar barreiras que parecem intransponíveis, sobretudo para os outros.
Sabem, o contexto do Taekwondo Songahm no qual eu cresci era paradoxal. Por um lado, descobri um ambiente altamente capacitante, no qual se fortaleciam as pessoas física e mentalmente. O meu Instrutor, José Pedro Reyes, sempre foi um motivador e foi capaz de ver o melhor em mim e trazê-lo ao de cima através do treino. Numa altura em que eu não tinha grandes motivos para me sentir forte, houve quem me fortalecesse. Foi ele.
Por outro lado, no que tocava à organização e ao crescimento da estrutura existente, a atitude era diametralmente oposta. Havia impossíveis, havia barreiras, havia miopia e havia oposição. Abrir uma academia era impossível. Organizar os eventos era uma dor. Inovar era uma afronta.
Portanto, nos meus primeiros anos como Instrutor, e fazendo-me acompanhar pelo Francisco Amaral, foi um caminho de frustração. Os dois queríamos crescer mas éramos travados pela estrutura imposta.
Da frustração, passou ao confronto. Vimo-nos obrigados a confrontar o nosso "pai" e, numa espécie de juventude de liderança, rebelamo-nos. Fomos buscar ajuda à ATA (organização que tutela esta arte marcial) e criámos uma nova forma de fazer as coisas.
A partir desse momento, foi uma permanente caminhada em direção a tudo o que faltava fazer. Onde era preciso trabalho, nós estávamos lá. Onde era preciso inovar, nós estávamos lá. Rapidamente, juntou-se o Miguel Loureiro, o Daniel Rosito e outros Instrutores mais graduados, também eles sedentos de uma nova forma de nos organizarmos.
Fizemos o que teve de ser feito para romper com a ordem estagnada que não nos permitia crescer.
Mas isto foi difícil e não foi agradável. Eu não quis rebelar-me contra alguém que tanto me deu. Não tive prazer em estar em conflito. Não me soube bem a zanga.
Frequentemente, ser "o primeiro" significa ser alguém que está ao serviço de um potencial que não se está a concretizar porque alguma coisa o está a impedir. Por vezes, quebrar as regras é o ato mais justo a tomar.
Olhando para trás, vejo um caminho de rebelião mas vejo, também, um caminho de integração. Onde antes havia conflito, há hoje reconhecimento e bondade. Onde antes havia impossíveis há, hoje, possibilidade.
Todo este processo moldou profundamente o meu estilo de liderança. Tenho muito cuidado com todos os novos Instrutores. Procuro ouvir todas as suas ideias e ajudá-los a implementar o que for necessário. Convido-os a contrariarem-me e a mostrarem-me uma melhor forma de ver as coisas, vejo neles o meu farol de lucidez.
Um dos meus maiores medos é tornar-me tirânico. É querer impor a minha vontade porque "é assim", é esmagar a ambição dos outros com base na minha eventual falta de visão.
É fácil a liderança tornar-se tirânica, basta haver uma certa dose de poder e uma estrutura fechada para que ninguém consiga demover a instituição. Quanto mais rígida, maior será a oposição até que a rebelião seja inevitável.
É, portanto, vital que existam mecanismos para manter a liderança viva. Mecanismos de escuta, de inovação e de oposição. Tem de haver alguém com uma visão diferente a agir no mesmo espectro, caso contrário, a decadência é certa.
Para mim ser Mestre é estar ao serviço dos outros. Não é uma posição que me eleva a uma torre, é um reconhecimento que me põe os pés descalços na terra. Já errei muito e, certamente, irei errar muito mas uma coisa posso garantir, para mim, ser Mestre é um misto entre servir e guiar. Servir para capacitar e guiar para crescer.
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